quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Marighella Vive!!!




Carlos Marighella nasceu em Salvador, Bahia, em 5 de dezembro de 1911. Era filho de imigrante italiano com uma negra descendente dos haussás, conhecidos pela combatividade nas sublevações contra a escravidão.
De origem humilde, ainda adolescente despertou para as lutas sociais. Aos 18 anos iniciou curso de Engenharia na Escola Politécnica da Bahia e tornou-se militante do Partido Comunista, dedicando sua vida à causa dos trabalhadores, da independência nacional e do socialismo.
Conheceu a prisão pela primeira vez em 1932, após escrever um poema contendo críticas ao interventor Juracy Magalhães. Libertado, prosseguiria na militância política, interrompendo os estudos universitários no 3o ano, em 1932, quando deslocou-se para o Rio de Janeiro.

            Em 1o de maio de 1936 Marighella foi novamente preso e enfrentou, durante 23 dias, as terríveis torturas da polícia de Filinto Müller. Permaneceu encarcerado por um ano e, quando solto pela “macedada” – nome da medida que libertou os presos políticos sem condenação -- deixou o exemplo de uma tenacidade impressionante.
Transferindo-se para São Paulo, Marighella passou a agir em torno de dois eixos: a reorganização dos revolucionários comunistas, duramente atingidos pela repressão, e o combate ao terror imposto pela ditadura de Getúlio Vargas.
Voltaria aos cárceres em 1939, sendo mais uma vez torturado de forma brutal na Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo, mas se negando a fornecer qualquer informação à polícia. Na CPI que investigaria os crimes do Estado Novo o médico Dr. Nilo Rodrigues deporia que, com referência a Marighella, nunca vira tamanha resistência a maus tratos nem tanta bravura.

Recolhido aos presídios de Fernando de Noronha e Ilha Grande pelo seis anos seguintes, ele dirigiria sua energia revolucionária ao trabalho de educação cultural e política dos companheiros de cadeia.
Anistiado em abril de 1945, participou do processo de redemocratização do país e da reorganização do Partido Comunista na legalidade. Deposto o ditador Vargas e convocadas eleições gerais, foi eleito deputado federal constituinte pelo estado da Bahia. Seria apontado como um dos mais aguerridos parlamentares de todas as bancadas, proferindo, em menos de dois anos, cerca de duzentos discursos em que tomou, invariavelmente, a defesa das aspirações operárias, denunciando as péssimas condições de vida do povo brasileiro e a crescente penetração imperialista no país.
Com o mandato cassado pela repressão que o governo Dutra desencadeou contra o comunistas, Marighella foi obrigado a retornar à clandestinidade em 1948, condição em que permaneceria por mais de duas décadas, até seu assassinato.
Nos anos 50, exercendo novamente a militância em São Paulo, tomaria parte ativa nas lutas populares do período, em defesa do monopólio estatal do petróleo e contra o envio de soldados brasileiros à Coréia e a desnacionalização da economia. Cada vez mais, Carlos Marighella voltaria suas reflexões em direção do problema agrário, redigindo, em 1958, o ensaio “Alguns aspectos da renda da terra no Brasil”, o primeiro de uma série de análises teórico-políticas que elaborou até 1969. Nesta fase visitaria a China Popular e a União Soviética, e anos depois, conheceria Cuba. Em suas viagens pôde examinar de perto as experiências revolucionárias vitoriosas daqueles países.
Após o golpe militar de 1964, Marighella foi localizado por agentes do DOPS carioca em 9 de maio num cinema do bairro da Tijuca. Enfrentou os policiais que o cercavam com socos e gritos de “Abaixo a ditadura militar fascista” e “Viva a democracia”, recebendo um tiro a queima-roupa no peito. Descrevendo o episódio no livro “Por que resisti à prisão”, ele afirmaria: “Minha força vinha mesmo era da convicção política, da certeza (...) de que a liberdade não se defende senão resistindo”.
Repetindo a postura de altivez das prisões anteriores, Marighella fez de sua defesa um ataque aos crimes e ao obscurantismo que imperava desde 1o de abril. Conseguiu, com isso, catalisar um movimento de solidariedade que forçou os militares a aceitar um habeas-corpus e sua libertação imediata. Desse momento em diante, intensificou o combate à ditadura utilizando todos os meios de luta na tentativa de impedir a consolidação de um regime ilegal e ilegítimo. Mas, mantendo o país sob terror policial, o governo sufocou os sindicatos e suspendeu as garantias constitucionais dos cidadãos, enquanto estrangulava o parlamento. Na ocasião, Carlos Marighella aprofundou as divergências com o Partido Comunista, criticando seu imobilismo.

Em dezembro de 1966, em carta à Comissão Executiva do PCB, requereu seu desligamento da mesma, explicitando a disposição de lutar revolucionariamente junto às massas, em vez de ficar à espera das regras do jogo político e burocrático convencional que, segundo entendia, imperava na liderança. E quando já não havia outra solução, conforme suas próprias palavras, fundou a ALN – Ação Libertadora Nacional para, de armas em punho,  enfrentar a ditadura.
O endurecimento do regime militar, a partir do final de 1968, culminou numa repressão sem precedentes. Marighella passou a ser apontado como Inimigo Público Número Um, transformando-se em alvo de uma caçada que envolveu, a nível nacional, toda a estrutura da polícia política.

Na noite de 4 de novembro de 1969 surpreendido por uma emboscada na alameda Casa Branca, na capital paulista, Carlos Marighella tombou varado pelas balas dos agentes do DOPS sob a chefia do delegado Sérgio Paranhos Fleury.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

As laranjas e o show


7 de outubro de 2009

Por Gilmar Mauro






Na região de Capivari, interior de São Paulo, quando alguém exagera, tem uma expressão que diz: "Pare de Show!"

É patético ver alguns senadores(as), deputados(as) e outros tantos "ilustres" se revezarem nos microfones em defesa das laranjas da Cutrale. Muitos destes, possivelmente, já foram beneficiados com os "sucos" da empresa para suas campanhas, ou estão de olho para obter "vitaminas" no próximo pleito. Mas nenhum deles levantou uma folha para denunciar o grande grilo do complexo Monções. As laranjas, e não poderia ser planta melhor, são a tentativa de justificar o grilo da Cutrale e de outras empresas daquela região. Passar por cima das laranjas é passar por cima do grilo e da corrupção que mantém esta situação há tanto tempo.

Não é a primeira vez que ocupamos este latifúndio. Eu mesmo ajudei a fazer a primeira ocupação na região, em 1995, para denunciar o grilo e pedir ao Estado providências na arrecadação das terras para a Reforma Agrária. Passados quase 10 anos, algumas áreas foram arrecadadas e hoje são assentamentos, mas a maioria das terras continua sob o domínio de grandes grupos econômicos. E mais, a Cutrale instalou-se lá há 4 ou 5 anos, sabendo que as terras eram griladas e, portanto, com claro interesse na regularização das terras a seu favor. Para tanto, plantou laranjas! Aliás, parece ter plantado um laranjal em parte do Congresso Nacional e nos meios de comunicação. O que não é nenhuma novidade!

Durante a nossa marcha Campinas-São Paulo, realizada em agosto, um acidente provocou a morte da companheira Maria Cícera, uma senhora que estava acampada há 9 anos lutando para ter o seu pedaço de terra e morreu sem tê-lo. Esta senhora estava acampada na região do grilo, mas nenhum dos ilustres defensores das laranjas pediu a palavra para denunciar a situação. Nenhum dos ilustres fez críticas para denunciar a inoperância do Executivo ou Judiciário, em arrecadar as terras que são da União para resolver o problema da Dona Cícera e das centenas de famílias que lutam por um pedaço de terra naquela região, e das outras milhares de pessoas no país.

Poucos no Congresso Nacional levantam a voz para garantir que sejam aplicadas as leis da Constituição que falam da Função Social da Terra:

a) Produzir na terra;
b) Respeitar a legislação ambiental e
c) Respeitar a legislação trabalhista.

Não preciso delongas para dizer que a Constituição de 1988 não foi cumprida. E muitos falam de Estado Democrático de Direito! Para quem? Com certeza estes vêem o artigo que defende a propriedade a qualquer custo. Este Estado Democrático de Direito para alguns poucos é o Estado mantenedor da propriedade, da concentração de terras e riquezas, de repressão e criminalização para os movimentos sociais e para a maioria do povo.

Para aqueles que se sustentam na/da "pequena política", com microfones disponíveis em rede nacional, e acreditam que a história terminou, de fato, encontram nestes episódios a matéria prima para o gozo pessoal e, com isso, só explicitam a sua pobreza subjetiva. E para eles, é certo, a história terminou. Mas para a grande maioria, que acredita que a história continua, que o melhor da história sequer começou, fazem da sua luta cotidiana espaço de debate e construção de uma sociedade mais justa. Acreditam ser possível dar função social à terra e a todos os recursos produzidos pela sociedade. Lutam para termos uma agricultura que produza alimentos saudáveis em benefício dos seres humanos sem devastação ambiental. Querem e, com certeza terão, um mundo que planeje, sob outros paradigmas que não os do lucro e da mercadoria, a utilização das terras e dos recursos naturais para que as futuras gerações possam, melhor do que hoje, viver em harmonia com o meio ambiente e sem os graves problemas socias.

A grande política exige grandes homens e mulheres, não os diminutos políticos - não no sentido do porte físico - da atualidade; a grande política exige grandes projetos e uma subjetividade rica - não no sentido material - que permita planejar o futuro plantando as sementes aqui e agora. Por mais otimista que sejamos, é pouco provável visualizar que "laranjas" possam fazer isso. Aliás, é nas crises, é nos conflitos que se diferencia homens de ratos, ou, laranjas de homens.

Gilmar Mauro é integrante da coordenação nacional do MST.


terça-feira, 29 de setembro de 2009

COMUNICADO Nº. 26

A Frente Nacional de Resistência contra o golpe de Estado comunica ao povo hondurenho e a comunidade internacional:


1. Que amparados pelo artigo 3º, da Constituição da República de Honduras, condenamos, rechazamos e desconhecemos todo o Decreto Executivo PCM-M-016-2009, divulgado em cadeia nacional, em 27 de setembro de 2009, pelo regime de facto de Honduras, mediante o qual buscam restringir as garantias constitucionais da população de Honduras na resistência, durante um período de 45 dias, sendo esta uma demonstração a mais das violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura chefiada por Roberto Micheletti e sustentada pelo exército e a Polícia Nacional, com o financiamento da direita empresarial.

2. Que nós condenamos e rejeitamos a agressão covarde que executou o regime de facto contra as instalações do Cholusat-Sur, Canal 36, e a Rádio Globo, meios de comunicação independentes que acompanharam a luta popular contra o golpe de Estado, divulgando, nacional e internacional, os fatos nefastos ocorridos neste período negro da história nacional, através da qual nós declaramos a nossa solidariedade e apoio em todas as formas possíveis que podemos.

3. Que exortamos o digno povo hondurenho na Resistência a não deixar-se ser intimidado pelas ações ilegais do regime do golpe de Estado, que procura a todo custo enfraquecer a luta do povo para consolidar seu poder e continuar com o desprezo, a exploração e a humilhação que nos tem submetidos.

4. Que renovamos nosso compromisso de manter a luta popular, até conseguir o refundação de Honduras como um país a caminho da libertação das oligarquias, que historicamente têm oprimido o povo de Honduras.

Tegucigalpa, 28 de Setembro de 2009.

Fonte orginal: FRENTE NACIONAL DE RESISTÊNCIA CONTRA O GOLPE

Tradução: Robson Ceron

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Cuba exige mais uma vez fim do bloqueio


Apresentado relatório à ONU. Será votado na Assembleia Geral em 28 de outubro próximo

Olga Díaz Ruiz
Havana. 17 de Setembro de 2009


Cuba exige mais uma vez fim do bloqueio• O ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla, divulgou os principais pontos do relatório apresentado na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, sob o título Necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América a Cuba, tema sobre o qual o organismo internacional se pronunciará pela décima oitava vez consecutiva.

O texto ganha mais importância, pois na segunda-feira passada, ao prorrogar a lei usada para impor o bloqueio, o presidente Obama não modificou as resoluções dessa política genocida com a Ilha, que até hoje ocasionou perdas no valor de US$96 bilhões.

No documento se expõe a situação da economia nacional desde a moção anterior até a atual, período em que o setor dos transportes registrou prejuízos acima de US$357.80 milhões, no agroalimentar de US$121.8 milhões, na saúde de US$25 milhões, e na educação de US$3,8 milhões.

A indústria turística, uma das principais fontes de desenvolvimento do país, perdeu aproximadamente US$1.21 bilhão, apontou o ministro das Relações Exteriores em sua intervenção.

"A Revolução cubana continua firme, acrescentou Rodríguez, apesar desse cerco estadunidense, da crise financeira internacional, do impacto da mudança climática e de outros fatores."

A votação da resolução cubana contra o bloqueio na Assembleia Geral da ONU será em 28 de outubro próximo. No ano passado, o programa apresentado pela Ilha foi aprovado por 185 nações e reprovado por três. •

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Despejo e destruição em acampamento do MST. Caucaia-Ceará.


Nesta sexta feira 18 de setembro o MST sofreu um ato de extrema violência do judiciário e Polícia Militar do Ceará.

Foi concedida ordem liminar de reintegração de posse contra as famílias acampadas na fazenda improdutiva Cararu, município de Caucaia, Ceará.

Por volta das 10h um oficial de justiça, acompanhado de seis policiais, foi cumprir a ordem de reintegração. As famílias sem terra pediram um prazo e a intermediação do INCRA, mas nada foi concedido. A partir daí teve início o terror: agressões verbais, ameaças, xingamentos e destruição das dezenas de barracas de lona. O oficial de justiça ameaçou prender um militante do MST, porém, com a intermediação dos advogados que assessoram o Movimento a situação foi revertida.

Os policiais colocaram os bens das famílias num caminhão cedido pelo proprietário e pretendiam despejá-las às margens da BR 222.

Por volta das 15h, a arbitrariedade foi suspensa com a intervenção do Comando da PM no Ceará desautorizando os policiais de continuarem o despejo.

A situação das famílias é extremamente precária e tensa. O MST aguarda uma audiência com INCRA na segunda-feira para tratar da desapropriação do imóvel.O movimento irá cobrar a responsabilização dos autores de toda a ilegalidade cometida.


Cláudio
Advogado - Rede Nacional de Advogados/as Populares
Setor de Direitos Humanos - MST

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Nós, os comunistas



Comunistas nós somos porque,
os pés solidamente plantados no dia de hoje,
sondamos do futuro a noite densa
somamos o presente de viver.

Comunistas nós somos porque
ouvimos a classe que murmura
com os sem-vozes lançados ao ataque
formamos uma massa unida como um só e que canta.

Comunistas nós somos porque,
andando sobre a praia nua
quando já sobe o ruído da maré
nós seguimos, desprezando o refúgio.

Comunista nós somos porque,
pesando com justiça os mais e os menos,
sabemos recuar, batalhar na retaguarda,
e partir novamente para a luta.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A NECESSÁRIA RECONSTITUIÇÃO DA DIALÉTICA HISTÓRICA
István Mészáros


Palestra proferida em 27 de agosto de 2009, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, nos marcos do
III Seminário Internacional MARGEM ESQUERDA – Boitempo Editorial.



1.
Como sabemos, o estado moderno não foi formado como resultado de alguma determinação econômica
direta, como um afloramento superestrutural mecânico, em conformidade com uma visão reducionista da
suposta dominação unidimensional da sociedade, como apresentado pela concepção marxista vulgar de
tais questões. Mas sim foi constituído dialeticamente através de sua necessária interação recíproca com a
base material altamente complexa do capital. Neste sentido, o estado não foi apenas moldado pelas
fundações econômicas da sociedade, como também moldou deveras ativamente a realidade multifacetada
das manifestações reprodutivas do capital no decorrer de suas transformações históricas, tanto na fase
ascendente como na decadente de desenvolvimento do sistema do capital.
Neste complexo processo dialético de intercâmbio recíproco as determinações históricas e trans-históricas
foram intimamente entrelaçadas, mesmo que na fase decadente do desenvolvimento do sistema do capital
tivéssemos de testemunhar uma crescente violação da dialética histórica, especialmente sob o impacto da
crise estrutural em aprofundamento. Para a defesa do modo de sociorreprodução estabelecido a todo
custo, não importando o quão esbanjador e destrutivo fosse seu impacto agora até mesmo sobre a
natureza, pode-se apenas frisar o anacronismo histórico e a inviabilidade correspondente de um modo de
sociorreprodução produtiva outrora todo-poderoso, que procura estender seu poder de uma “forma
globalizada” em um tempo em que os limites sistêmicos absolutos do capital estão sendo ativados numa
escala global.
Ademais, o fato de que a fase histórica de imperialismo moderno que costumava predominar
anteriormente e durante a Segunda Guerra Mundial é agora substituído pelo imperialismo hegemônico
global dos Estados Unidos da América, procurando se impor por toda parte como o Estado global do
sistema do capital em geral, não resolve qualquer das contradições subjacentes de forma alguma. Pelo
contrário, pode somente destacar a gravidade dos perigos inseparáveis da crise estrutural do modo de
controle sociorreprodutivo. Pois a imposição de um imperialismo hegemônico global de nosso tempo pelo
poder militar agora dominante não é menos inviável no longo prazo que a tradicional rivalidade
imperialista que produziu duas guerras mundiais devastadoras no século XX. Longe de constituir de
modo bem-sucedido o Estado do sistema do capital em geral, como uma tentativa vã de remediar ao
grande fracasso histórico do capital nesse sentido, o imperialismo hegemônico global dos Estados Unidos,
com sua dominação militar crescente do planeta como um estado nacional agressivo, a fase presente de
imperialismo é provavelmente a mais letal.
No decurso do andamento histórico do sistema do capital a superestrutura política e legal assumiu um
papel cada vez mais preponderante. A fase presente de imperialismo hegemônico global é a sua mais
extrema manifestação, marcando o fim de um caminho até o momento praticável, mas ao mesmo tempo
absolutamente inviável no longo prazo, diante de uma relação ainda prevalecente de forças na qual alguns
países com populações imensas e poderio militar equivalente, incluindo a China, são marginalizados. Pois
nada poderia ser mais decisivo para sua dominação e todos os aspectos da vida social – das condições
elementares de reprodução material e seu grave impacto sobre a natureza até as formas mais mediadas de
produção intelectual – que a operação de um sistema que ameaça direta e indiretamente a humanidade
com o destino da auto-destruição. Até mesmo um retorno aos violentos confrontos entre estados
anteriormente experimentados é possível em um futuro não muito distante, que poderia certamente
exterminar a vida humana neste planeta, se os antagonismos destrutivos do sistema do capital não forem
resolvidos de um modo historicamente sustentável no tempo que ainda nos resta. Por conseguinte, apenas
uma transformação qualitativa da superestrutura legal e política estabelecida em sua totalidade, junto
com a reestruturação radical de sua base material que deixou de ser viável, pode mostrar uma saída deste
beco escuro. Isto significa uma transformação abrangente que é concebível somente no espírito da
alternativa socialista hegemônica vislumbrada ao modo de controle sociometabólico do capital.
2.
PODEMOS ver o impacto profundo da reciprocidade entre o domínio material e o Estado moderno se
observamos a conexão inerente entre:
(a) as relações de troca universais em curso sob o jugo da produção generalizada de mercadorias do
capital e;
(b) as determinações formais que permitem (pois devem permitir) a equalização sistemicamente
necessária de incomensurabilidades. Pois esta relação, baseada na predominância universal do trabalho
abstrato na ordem sociometabólica dada, deve ser sustentado em todos os níveis de trocas societais,
ofuscando formalmente e obliterando de forma fetichista a incomensurabilidade substantiva por toda
parte.
Naturalmente, isto inclui a maneira pela qual os indivíduos envolvidos na produção e na troca são
administrados na ordem sociorreprodutiva estruturalmente preordenada – e neste sentido como uma
matéria de determinação sistêmica inalterável tanto hierárquica/iníqua como incuravelmente antagônica
sendo em outro sentido, formalmente equitativa do capital.
Como sabemos, a produção e troca generalizada de mercadorias são impensáveis sem a equação universal
do valor que deve ser cumprida constantemente com base nas práticas reprodutivas materiais do capital.
A homogeneização formal redutiva de toda sãs relações substantivas – e desse modo a reconciliação de
formas irracionais posta em relevo por Marx é seminalmente importante a este respeito. É crucial para
entender a interconexão profunda entre os processos reprodutivos materiais e a constituição histórica
específica da superestrutura legal e política cada vez mais poderosa do capital exigida para a sustentação
do sistema como um todo. Pois, visto simplesmente do ângulo das unidades particulares, as relações de
troca cada vez mais complexas dos microcosmos reprodutivos materiais em expansão – emergindo da
centralização e concentração irrefreáveis do capital auto-expansivo – geram demandas constantemente
crescentes por coesão e apoio que elas mesmas, enquanto estruturas produtivas confinadas localmente,
são totalmente incapazes de suprir. E a implicação causal de tal circunstância para o desenvolvimento da
própria estrutura legal e política poderia ser vista, de modo um tanto errôneo, como uma determinação
unidirecional do complexo societal global pela base material.
Contudo, precisamente porque as recém-analisadas demandas crescentes das unidades produtivas
orientadas pela expansão não poderiam ser satisfeitas de forma alguma pelos próprios microcosmos
reprodutivos materiais particulares, as complexas relações de troca historicamente emergentes – com as
quais estamos bem familiarizados – não poderiam ser estabelecidas desde o início sem trazer à cena de
modo pleno a estrutura legal e política do capital como a condição necessária de coesão e
desenvolvimento sistêmicos. Sem o envolvimento de apoio direto ou indireto da dimensão política do
sistema capital até mesmo as necessidades expansionistas mais genuínas teriam de permanecer como
meras exigências abstratas frustradas, ao invés de serem tornadas demandas efetivas. Isto novamente
enfatiza fortemente as determinações recíprocas da dialética histórica na articulação real da base material
reprodutiva do capital enquanto um sistema coerente e sua formação estatal.
Neste sentido, são inseparáveis a universalidade formal/legal do Estado e a mercantilização universal do
capital. A insuperável hierarquia estrutural substantiva da base material do capital encontra seu
equivalente no nível das relações legais e políticas, clamando pela defesa da mais iníqua ordem
estabelecida a qualquer preço. Medidas e racionalizações formais, não importando o quão engenhosas,
não podem obliterar as desigualdades substantivas e antagonismos estruturais.
Na verdade a necessidade de uma racionalização ideológica apologética torna-se ainda mais pronunciada
paralelamente à transição da fase ascendente para a decadente do desenvolvimento do capital. Por
conseguinte, Kant todavia não precisa de cinismo ou hipocrisia quando contrasta a igualdade estritamente
formal da lei plausível sob o domínio do capital com a desigualdade substantiva exigida para administrar
a ordem social antagônica dada. Assim escreve ele sem nenhum disfarce que:
“A igualdade geral dos homens enquanto súditos de um Estado coexiste prontamente com a maior
desigualdade em graus de posses que os homens têm, consistam estas posses de superioridade corpórea
ou espiritual ou ainda de posses materiais. Daí que a igualdade geral dos homens também coexiste com a
grande desigualdade de direitos específicos dos quais pode haver muitos [...] Não obstante, todos os
súditos são iguais entre si perante a lei, a qual, como um pronunciamento da vontade geral, pode ser
apenas uma. Esta lei concerne a forma e não a matéria do objeto sobre o qual posso ter um direito.”[1]
Do mesmo modo, Adam Smith não é menos tentado pela necessidade de esconder que “Enquanto houver
propriedade não pode haver governo, cuja finalidade mesma é assegurar a riqueza e defender os ricos dos
pobres.”[2] No entanto, no momento em que chegamos ao “lutador profissional contratado” do capital,
Hayek, na fase decadente do desenvolvimento do sistema, tudo é virado de cabeça para baixo. As práticas
exploratórias impostas sobre “a maioria do proletariado e a maior parte dos milhões do mundo em
desenvolvimento”[3] – defendidas pelo estado neoliberal com todos os recursos a seu dispor contra as
pessoas que ousassem se opor – são glorificadas enquanto “práticas morais”, e nos é dito
peremptoriamente por Hayek que “Se perguntarmos o que o homem mais deve às práticas morais
daqueles que são chamados capitalistas a resposta é: suas próprias vidas.”[4] A ironia particular a este
respeito é que Hayek diz escrever no espírito de Adam Smith enquanto, na verdade, se opunha
diametralmente a ele. Contradizendo desavergonhadamente o mesmo gigante intelectual Adam Smith, da
fase ascendente do desenvolvimento do sistema do capital, o qual não hesitou em denunciar em seu tempo
o fato deplorável – imposto atualmente não menos que no passado através das pretensas “práticas morais”
dos capitalistas idealizados por Hayek sobre “a maior parte dos milhões do mundo em desenvolvimento”
os quais cobrem o mundo em condições desoladoras de trabalho nas fábricas exploradoras transnacionais
– ao dizer que “as pessoas que vestem o mundo estão em farrapos elas mesmas.”[5]
Adam Smith percebeu muito claramente que o sistema injusto de propriedade de seu tempo somente
poderia ser sustentado numa base duradoura se o governo da ordem estabelecida permanecesse
defendendo a riqueza dos ricos contra os pobres. Dessa maneira – ao ver o mundo com honestidade do
ponto de vista privilegiado do capital – ele notou que a base material do sistema no qual ele acreditava
firmemente e seu Estado político governante, eram inseparáveis um do outro. O que era impossível para
Adam Smith esclarecer do ponto de vista privilegiado do capital era a implicação radical de sua própria
conclusão. Nomeadamente que para subverter a injustiça percebida e denunciada sobre aqueles que
“vestem o mundo estão e em farrapos elas mesmas”, a base material e o Estado político protetor do
sistema, que se erguem juntos, também devem cair juntos.
3.
A preponderância crescente da superestrutura legal e política no decurso da história moderna está bem
distante de ser uma decorrência de contingências corrigíveis. Pelo contrário, é devida ao caráter mais
íntimo e à constituição objetiva do sistema. Pois o Estado Nacional moderno é absolutamente
incontrolável nos próprios termos de referência do capital, como uma questão de determinação estrutural
insuperável. O fracasso completo de todas as tentativas orientadas para uma reforma do estado
socialmente significativa no decorrer do último século e meio fala inconfundivelmente sobre esta questão.
Para piorar ainda mais as coisas, a base material estruturalmente consolidada do sistema do capital é
também incontrolável, assim como em um sentido socialmente significativo irreformável. Mais uma vez,
não como uma questão de contingência histórica corrigível mas como resultado de sua determinação
estrutural fundamental. Na verdade as dimensões reprodutiva material e político-legal do sistema
possuem uma relação das mais paradoxais. Pois elas contribuem poderosamente através de suas trocas
históricas recíprocas para a imensa expansão uma da outra e, desse modo, delas mesmas também, mas
elas são totalmente incapazes de exercer um impacto restritivo significativo uma sobre a outra, menos
ainda sobre si mesmas. A lógica interna deste tipo de desenvolvimento é que, como resultado, estamos
sujeitos às conseqüências definitiva e amplamente destrutivas de uma unidirecionalidade perigosa,
conduzindo ao beco sem saída potencialmente suicida. Assim sendo porque um sistema de cultivo
societal o qual, por sua constituição mais íntima e determinação estrutural, é incapaz de reconhecer e
aceitar qualquer limite ¾ nem mesmo quando fazê-lo seria, como hoje, absolutamente imperativo ¾ não
pode oferecer solução viável alguma para o futuro.
a lógica perversa do sistema do capital é que as dimensões material e político-legal podem
complementar-se uma a outra somente de um modo definitivamente insustentável. pois, embora a
dimensão político-legal possa conter a lógica centrífuga no interesse da expansão sistêmica global, é
absolutamente incapaz de introduzir uma contenção racional em seu próprio modo de operação. isto se dá
porque é incompatível com a racionalidade sistemática global exigida para um controle significativo.
Esta é a razão fundamental pela qual a articulação final da lógica inerente ao Estado nacional capitalista
assumiu a forma da rivalidade imperialista que persiste até hoje, apesar das negações verbais, não menos
que outrora. Hegel, um século antes do desenvolver das guerras globais, não tinha ilusões a respeito da
questão da controlabilidade. Ele afirmou com espantosa fraqueza que “O Estado nacional é mente em sua
racionalidade substantiva e efetividade imediata e é, portanto, o poder absoluto sobre a terra.”[6] Idéias
contrárias, como a projeção kantiana da “paz perpétua” e sua proposta instrumentalidade de uma Liga de
Nações, provou não ser mais que um nobre pensamento otimista sobre a base material do capital.
A lógica indefensável dos microcosmos reprodutivos materiais do capital é: “crescer eternamente ou
implodir!” A persistente projeção desejosa hoje em dia da amplamente benéfica “globalização” é a
racionalização ideológica daquela lógica. Ao mesmo tempo, a imposição opressiva do imperialismo
hegemônico global em nosso tempo – com seu envolvimento sem hesitação em guerras maciçamente
destrutivas, incluindo as guerras perseguidas há não muito no Vietnã e agora no Oriente Médio, e de fato
não diminuindo sequer com a ameaça do uso de armas nucleares contra estados desprovidos de tais
armamentos – está longe da “efetividade racional” correspondente à lógica indisfarçada do capital.
A grave contradição na raiz de tais decorrências é que, em nosso período histórico de desenvolvimentos
globais material e produtivamente cada vez mais entrelaçados, nos são oferecidas racionalizações
globalizantes dentro do horizonte do estado nacional agressivo dominante, os Estados Unidos da América
e seu complexo militar-industrial, mas não soluções viáveis aos antagonismos do capital seja em termos
da base materiais do sistema do capital, seja no nível de suas formações estatais rivais. A dolorosa
verdade da questão é que – em vista do fracasso histórico necessário do capital em constituir o estado do
capital enquanto tal, nenhuma solução sustentável é concebível dentro da estrutura da ordem social do
capital de forma alguma controlável.
Além disso, o fracasso histórico em criar o Estado do sistema do capital enquanto tal é ele mesmo
qualquer coisa menos uma contingência corrigível. Pois a estrutura legal e política exigida globalmente de
interação regulatória, mesmo se vislumbrada como confinada a um período de transição relativamente
pequeno na rota para uma normatividade positivamente funcional, necessitaria de uma racionalidade
abrangente desde o momento de sua criação para tornar-se historicamente sustentável. O sistema do
capital, no entanto, é incompatível com tudo que não seja a mais parcial e restrita racionalidade. Essa é a
razão para a incapacidade lógica do Estado nacional capitalista em nosso tempo, afirmando-se como antes
na forma da rivalidade imperialista independente do quanto seus “atores” principais possam mudar de
tempos em tempos, permanece conosco mesmo sob as condições atuias de colisões potencialmente
catastróficas.
10.
ASSIM, a transformação radical exigida da superestrutura legal e política é inseparável da reconstituição
da dialética histórica que vem sendo perigosamente distorcida e definitivamente subvertida no decorrer da
fase decadente do desenvolvimento do capital, degradando desse modo o impulso auto-expansivo outrora
positivo do sistema à condição de incontrolabilidade cega.
A diferença principal em relação a este problema é que o sistema do capital fora estabelecido
primordialmente com base na desigualdade substantiva estruturalmente resguardada, graças também à
violência em grande escala da “acumulação primitiva” que fora enormemente facilitada em sua forma
clássica na Inglaterra pelo estado absolutista de Henrique VIII. Em completo contraste com a
desigualdade substantiva do capital profundamente consolidada em todos os domínios, das relações
materiais diretas às mais mediadas relações culturais, o necessário modo alternativo – socialista – de
reprodução sociometabólica não pode ser considerado historicamente viável a não ser que seja
qualitativamente reconstituído e firmemente mantido em sua nova conjuntura com base na igualdade
substantiva.
Enfatizar este contraste vital entre as características definidoras substantivas dos modos históricos
alternativos de reprodução sociometabólica de nosso tempo é ainda mais importante para nós pois em
suas auto-imagens ideologicamente bem difundidas o capital sempre proclamou sua adesão programática,
no que se refere a seus termos legislativos, à igualdade contratual, assim como em termos práticos
materiais reprodutivos afirmou regular a ordem sócio-econômica com base na equação universal do valor.
Contudo, todas estas práticas têm sido buscadas na realidade com base somente na transformação redutiva
de incomensurabilidades substantivas em relações formalmente equalizáveis, sob a dominação ubíqua da
produção generalizada de mercadorias e de seu trabalho abstrato equalizável de forma fetichista.
As relações substantivas de dominação e subordinação exploratórias profundamente iníquas e
estruturalmente salvaguardadas poderiam ser, portanto, continuadas nas práticas sociorreprodutivas do
capital por um longo tempo imperturbadas, até o início de algumas grandes crises tão tardias quanto as da
fase imperialista monopolista do desenvolvimento do sistema.
Entrementes, a normalidade longamente persistente da equação universal do valor, sob a dominância da
produção de mercadorias generalizada de modo fetichista, teve êxito em conferir até mesmo uma auréola
de “liberdade-fraternidade-igualdade” às conceptualizações ideológicas do sistema do capital. A
superestrutura legal e política crescentemente mais preponderante do capital, em andamento no curso da
história com sua selva legal em inexorável expansão, que alcançou seu clímax em nosso tempo, fez um
contribuição vital ao sucesso contínuo deste modo de sociorreprodução. Ela cumpriu seu problemático
papel estabilizador do modo mais autoritário na fase decadente do desenvolvimento sistêmico do capital.
De modo conforme, ela contribuiu com todos os meios possíveis a seu dispor para a cada vez mais
perigosa subversão da dialética histórica.
Previamente à articulação do sistema do capital moderno e sua formação estatal a questão da igualdade
não emergiu de modo algum com relação à dimensão sócio-econômica e política da sociorreprodução.
Como sabemos, a “democracia grega” pôde sustentar suas práticas de tomada de decisão política
impressionantemente avançadas baseando-se na escravidão como sua duradoura base reprodutiva
material. Uma forma de escravidão regulada enquanto um modo de reprodução sociometabólica no qual
seres humanos poderiam ser caracterizados por um pensador tão grande como o próprio Aristóteles como
nada mais que “ferramentas falantes”. Ademais, mesmo em um estágio muito mais tardio de
desenvolvimento histórico o estado feudal, em seus bem conhecidos esforços legitimatórios, não hesitava
em reivindicar a linhagem divina em favor de seu quadros dominantes privilegiados. Este modo de
conceptualização da ordem do mundo não representou problema algum fosse para o sistema escravista
antigo como para o feudal do medievo. Pois em ambos os casos qualquer preocupação com igualdade,
não apenas a igualdade substantiva mas mesmo a formal, era totalmente irrelevante para a forma pela qual
as condições de existência dos membros da sociedade eram efetivamente produzidas e reproduzidas em
seu curso constante.
Em completo contraste, a preocupação do Estado capitalista com a igualdade desde o início de seu
desenvolvimento histórico estava enraizado nas equalizações formais de sua base material e, enquanto tal,
aquele tipo de preocupação com a igualdade era tanto necessário quanto genuíno em seus próprios termos
de referência. O fator de complicação era que a própria relação do capital – baseada na alienação do
trabalho e sua corporificação no capital – pôde ser pressuposta circularmente nas conceptualizações autoservientes
do capital como o único modo viável da ordem reprodutiva “natural”, ao nível dos princípios
operativos cotidianos do sistema. Em concordância com isso, a igualdade contratual e a equação universal
do valor puderam ser proclamadas de forma coerente como constituindo o modus operandi eficiente do
sistema do capital por seus maiores representantes intelectuais, incluindo Adam Smith e Hegel. Esta
abordagem tornou-se indefensável apenas quando a questão da gênese histórica do sistema teve de ser
levantada, precisamente com vistas a reavaliar sua viabilidade com relação ao futuro, sob a luz de sua
desigualdade substantiva consolidada estruturalmente que se tornou contestada por um crescente
movimento social baseado em classe no fulcro da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas.
A esta altura, quando a questão do tempo surgiu no horizonte com relação tanto ao passado quanto ao
futuro, a antiga pressuposição circular dos próprios princípios operativos teve de falhar em cumprir sua
função costumeira. Pois, em franco contraste com a igualdade formalmente estipulada, a qual pode ser
racionalizada ideologicamente sob todos os tipos de postulados totalmente implausíveis, como vimos ser
feito por um grande filósofo como Kant, a igualdade substantiva, com suas determinações qualitativas,
não pode ser tratada circularmente, de maneira a vindicar sua exclusão apriorística da louvável
normatividade social ao arbitrariamente proclamar auto-referencialidade, oferecida como um julgamento
“conclusivo” por definição.
11.
INEVITAVELMENTE, portanto, uma vez que a questão da igualdade substantiva enquanto tal é
levantada com relação ao estado moderno, traz consigo o desafio de confrontar o difícil problema da
necessária decadência do estado em sua efetividade historicamente constituída. Pois no interior dos
confins historicamente determinados do estado moderno – os quais devem ser hierarquicamente
ordenados tanto internamente como em suas relações interestatais, corporificando desse modo a alienação
radical do poder de tomada de decisão abrangente dos indivíduos sociais – a idéia mesma de igualdade
substantiva é estruturalmente negada por necessidade.
Contudo, a instituição de uma ordem reprodutiva substantivamente equitativa representa um desafio
fundamental para nosso futuro, pede pela transformação radical da própria superestrutura legal e política
hierarquicamente estruturada, junto a suas premissas práticas e pressuposições radicais. A grande
expansão do sistema do capital foi tornada possível em primeiro lugar pelo avanço progressivo de um
sistema de dominação indisputável do valor-de-uso pelo valor-de-troca através do qual a equação
universal do valor tornou-se a dinâmica operativa que assegurou a expansão sob o jugo da produção
generalizada de mercadorias. Enquanto um membro de importância vital do sistema dicotômico, a troca
pôde exercer um papel dominante no processo de reprodução material, muito independentemente das
conseqüências que surgiriam no longo prazo de sua supremacia sobre a produção e sobre as demandas
que pôde impor – “pelas costas do indivíduos produtores” – até mesmo sobre os recursos naturais
disponíveis e necessariamente finitos. Em última análise, portanto, um sistema desse tipo tinha de se
descontrolar uma vez que os limites sistêmicos objetivos do modo de reprodução sociometabólica do
capital fossem ativados.
Além disso, o que tornou as coisas piores foi o fato de que a dominação alienante do uso humano pelas
exigências fetichistas da troca de mercadorias não fora sustentada simplesmente pela relação de troca
dada em e por si mesma. A dominância da troca sobre o uso teve seus corolários igualmente
problemáticos que em conjunção constituíram um sistema ao fim impossível de ser administrado. Um
sistema de dicotomias não-dialéticas as quais se afirmaram com peremptoriedade categórica tanto
materialmente quanto no âmbito político. De fato, o mesmo tipo de dicotomias não-dialéticas,
características do sistema do capital como um todo, tiveram de prevalecer através da dominação da
quantidade sobre a qualidade, do abstrato sobre o concreto e do formal sobre o substantivo, como aquilo
que vimos na dominância necessariamente reificante do valor-de-troca sobre o valor-de-uso sob a
equação universal do valor da ordem reprodutiva estabelecida.
Sem dúvida, na raiz de todas estas relações inevitavelmente distorcedoras de dominação e subordinação
unilateral encontramos a subordinação estrutural do trabalho ao capital politicamente assegurada e
resguardada, racionalizada através da mais absurda, ainda que tenha funcionado bem por um longo
período histórico, prática reprodutiva de homogeneização formal/redutiva que transforma em mercadorias
e equaciona de modo redutivo seres humanos viventes com o trabalho abstrato. Não é de forma alguma
surpreendente, portanto, que a cada vez mais preponderante superestrutura legal e política do sistema
tenha desempenhado, e continue a fazê-lo, um papel de apoio crescentemente irracionalista ao postergar o
“momento da verdade”. Este momento, não obstante, chega quando se torna inevitável pagar pelas
conseqüências destrutivas dos perigosos desenvolvimentos em curso em uma escala global no domínio
reprodutivo material e no plano político/militar. Da forma como as coisas se encontram hoje, dado seu
poder preponderante, o “estado democrático” pode preencher seu papel coadjuvante irracional ao varrer
para o lado com autoritarismo cinicamente encenado – seja “neoliberal” ou “neoconservador” – qualquer
preocupação até mesmo sobre as maiores colisões militares regularmente em erupção.
Neste sentido, a transformação radical da superestrutura legal e política, como uma exigência literalmente
vital de nosso tempo, requer uma mudança fundamental na base material sustentável no longo prazo. Isto
significa superar a dominação dicotômica não-dialética de um lado das relações mencionadas há pouco
sobre o outro, da dominação da troca sobre o uso, assim como do abstrato sobre o concreto, chegando à
obliteração historicamente não mais defensável das determinações qualitativamente vitais de qualquer
modo de sociorreprodução viável no longo prazo pelo fetichismo da quantificação universal e a
conseqüente equalização das incomensurabilidades.
A reconstituição da dialética histórica sobre uma base substantiva equitativa estruturalmente assegurada
não é, portanto, um postulado filosófico especulativo, mas uma exigência objetiva central de nossas
condições de existência nos dias presentes. Pois a perigosa subversão da dialética histórica coincidiu com
a cada vez mais antagônica fase decadente do desenvolvimento do sistema do capital e a ativação de sua
crise estrutural, trazendo consigo a ameaça, assim como a desconsideração prática irracionalista, até
mesmo às mais elementares condições de vida humana sustentável neste planeta. Naturalmente, a
superestrutura legal e política até do mais autoritário estado, não importando o quão alardeado e protegido
ele possa ser não somente por seu desperdiçador arsenal militar mas também por sua cada vez mais densa
selva legal, não pode de modo algum contrapor-se permanentemente ao caráter urgente de tais
determinações e exigências objetivas.
O modo de controle sociometabólico do capital pôde prevalecer por um longo período histórico porque
constituiu um sistema orgânico no qual a base material de sociorreprodução e sua dimensão regulatória
político-legal abrangente estavam entrelaçadas inextricavelmente em um modo expansivamente
dinâmico, tendendo em direção a uma integração global totalmente ampla. De fato, por quase três séculos
o impulso expansionista do sistema do capital pôde prosseguir de maneira bastante desimpedida.
Entretanto, um primeiro limite estruturai insuperável deste sistema, sobrecarregado com lógica
definitivamente auto-destrutiva de sua formação de estados nacionais incontrolável, no caso , a
necessidade de desenvolvimentos monopolistas e a associada rivalidade imperialista entre os estados
dominantes, tinha de tornar o sistema historicamente inviável em uma era na qual a busca pela guerra
global pode somente resultar na auto-destruição da humanidade. E um segundo limite estrutural
insuperável do sistema do capital não é menos grave. Pois no plano da reprodução material seu impulso
auto-expansivo racionalmente irrefreável, intensamente promovido pela formação estatal do capital,
alcançou inevitavelmente o ponto de colisão com os limites objetivos dos recursos de nosso planeta,
clamando pela adoção das práticas sociorreprodutivas qualitativamente diversas da única economia viável
– em uma forma econômica humanamente significativa – em nosso lar planetário. Naturalmente, encarar
os desafios que emergem destas limitações estruturais fundamentais do sistema do capital, com a
transformação radical de sua superestrutura legal e política em conjunção com sua base material, no
espírito indicado nesta palestra, é uma exigência absolutamente vital.
[1] Immanuel Kant, “Theory and Practice: Concerning the Common Saying: This May Be True in Theory
But Does Not Apply to Practice”, in Carl J. Friedrich (ed.). Immanuel Kant’s Moral and Polítical
Writings. New York: Random House, 1949.
[2] Adam Smith, “Lectures on Justice, Police, Revenue, and Arms”, in Herbert W. Schneider (ed.), Adam
Smith’s Moral and Polítical Philosophy. New York: Hafner Publishing Company, 1948.
[3] Friedrich Von Hayek, The Fatal Conceit. Chicago: University of Chicago Press, 1989.
[4] Ibid.
[5] Adam Smith, Op. Cit.
[6] G. W. F. Hegel. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997.